Des_memoriar o fotográfico
O prazer de ver e falar sobre fotografias motivou o projeto ARQUIVO 2.0, iniciado em 2012, com a intenção de criar uma coleção que considero fundamental à memória. Tive como principal critério selecionar imagens que foram essenciais para minha formação como artista e cidadã, e procurei arquivos que supostamente poderiam ser compartilhados por todos, adotando a web como fonte de consulta. Mas o que salvar dessa revisão histórica? Até que ponto uma edição, seja ela qual for, permite-nos criar um denominador comum, sinalizar padrões, estabelecer consensos? Para tentar responder à questionamentos dessa ordem, procurei esgarçar alguns limites entre as categorias instituídas pelos canais de comunicação e pela cultura de massa, e passei a apagar a figura humana de fotografias de vários gêneros, autores e períodos, como estratégia para reocupação virtual da fotografia enquanto espaço social. Ao contrário de querer apagar as fontes, busco ampliar o alcance das imagens de referência, adotando-as como fototerritórios compartilhados. Muito mais que fotografias, considero-as lugares de encontro.
Essas incursões fototerritoriais se deram em duas frentes: DELETE.use e RASTER. A primeira trata do visível, é claramente denotativa, ainda que repleta de conotações questionáveis. A segunda é uma imersão às invisibilidades intraecrã, inversão total nos protocolos que tratam das relações entre imagem e texto digitais. DELETE.use nomeia e autodefine o duplo risco do apagamento e (re)uso de algo, que neste caso não exclui, e sim sugere novas conexões, inclusões. Sugere também um meio termo entre os extremos da memória, ativando o benefício da ficção em favor do que nos fortalece frente à realidade. Já RASTER decodifica clássicos da fotografia universal na tentativa vã de mensurar o que não tem medida. Ambas me ajudam a lidar com o fato de que nem mil palavras, sequer imagens, são capazes de valer mais que o tempo ou o espaço dos afetos.
Flavya Mutran